Pessoas num engarrafamento

Meus olhos são como janelas de uma pequena casinha, de sapê mesmo, onde mora uma infinidade de pessoas: muitas mulheres e alguns homens. Todas essas pessoas são ávidas por cores e parecem se alimentar delas, bem como das formas diferentes – e, por que não, das tão bem conhecidas? – e dos sons que vêm junto. As pessoas residentes desta casa gostam do que vêem, mas de vez em quando algumas mais sensíveis insistem em mostrar às outras alguns detalhes que, normalmente, passariam imperceptíveis...

Essas pessoas hoje estavam muito ativas, as sensíveis. A cada detalhe diferente que viam na paisagem que acompanhava o engarrafamento sem fim, cutucavam as outras (sérias, tensas e mal humoradas) e as mostravam, apontavam, quase gritavam pra que estas olhassem. E de tanto serem cutucadas, as tais pessoas sérias e mal humoradas acabaram olhando pro lado. E esqueceram, momentaneamente, do engarrafamento, do stress, do mau humor e das preocupações que pareciam tão inesquecíveis. E ficaram tão felizes e tão em paz, todas as pessoas dentro da casa, que se fez um silêncio ensurdecedor, de repente, mesmo com música em alto volume e várias buzinas do lado de fora. Foi quando uma (ou mais pessoas, vá saber) teve a sábia idéia de registrar esse momento, para que nenhuma delas nunca mais esqueça de olhar pro lado quando as coisas na frente não parecerem bem.



E todas as pessoas comemoraram o registro. E veio outro destes momentos, quando as mais sensíveis gritaram para que todos olhassem mais uma vez pro lado e, como não são bobas as tais pessoas (só quando escolhem ser, mas estas que escolhem nem são tão mal humoradas assim), imediatamente se debruçaram na janela e seguiram o conselho.



Alguns momentos deste tipo ocorreram no meio da tarde de hoje. Passados eles, tudo voltou ao normal: as sensíveis continuam olhando tudo com outros olhos, as mal-humoradas continuam resmungando, as bobas continuam sonhando e as janelas continuam abertas, ao menos por um pouco mais de tempo – quando todos resolvem dormir, o último que estiver acordado as fecha, é sempre assim.

“Mas... O que tem demais essa historinha boba de gentes de vários tipos dentro de uma casinha de sapê com telhado vermelho? E essas fotos tão mal tiradas?”, alguns se perguntam. E eu respondo sem cerimônia alguma: nada demais, só uma maneira de deixar registrado que precisamos permitir que as pessoas sensíveis comandem mais o grupo, principalmente quando as pessoas mal humoradas e amargas estiverem ativas demais. Passamos todos pela vida sem olhar pro lado, se não deixarmos as sensíveis, por um minuto ou poucos segundos que sejam, serem as comandantes. Breves momentos nas mãos destas pessoas aqui dentro podem amenizar horas, dias ou semanas que fiquem nas mãos das outras, fazem milagres e abrem até sorrisos. Mesmo num dia em que os guardiões da saída da porta principal, aqueles brancos e durinhos, insistam em ficar escondidos.

11 comentários:

Unknown disse...

Bravo! Bravissimo!!!!

Danielle Balata disse...

Excelente!!

Ingrith disse...

Putz, perfeito!!! Mas sabe, qdo estamos "amargas" deixamos passar tantos momentos lindos...

Camila disse...

ah o Rio de Janeiro..como eu senti saudades dessa terra insana...

Vc cortou o hair?!


Q bela!!!

Anônimo disse...

Adorei seu post e amei seu cantinho.. é atrativo, fascina do começo ao fim

beijinhos =)

Taynar disse...

Se eu disser que tá ótimo, vou estar sendo redundante.

Mas é realmente por aí.
Às vezes ficamos tão embrutecidos com tudo ao nosso redor, que o olho da alma fica fechado pras belezas do mundo.

Beijos, moça

Rica Retamal disse...

Maravilhoso!
Eu, que estou no meio da correria do trabalho, entre uma atividade e outra, resolvi dar uma olhadinha pro lado e vim parar aqui, para ler essa maravilha.
Realmente impressionante como perdemos detalhes bonitos do dia se nos fechamos...
Bjo

Bridget Jones disse...

Eu sempre deixo as coisas para as pessoas sensíveis, sabe? Sou um tanto bruta devezencuando. As vezes não consigo perceber coisas muito simples...

Texto super rico, viu gata?
Vou ler sempre q me lembrar q estou ficando amarguinha!

A Outra disse...

uma bandeira para a sensibilidade!!!

bjsss

Aline T.H. disse...

Lekkerding e Dani, muito obrigada!

In, por isso mesmo escrevi, pra tentar lembrar quando estiver mais amarga. Como ontem, rs.

Ice, cortei!! Esqueci que vc estava fora, mulher chique! Cortei e amei, ainda bem que vocês gostaram tb!

Taynar, brigada, baby. Pois é, eu ontem estava uma pedra... Ainda bem que tinha gente aqui dentro destoando do quadro geral ;-)


Nilce, obrigada e seja sempre bem-vinda!

Ricardo, obrigada, querido. Bom que você tenha achado a Casa interessante ao olhar pro lado =)

Brid, brigada! Eu sou a mais dura de todas, e essas pessoas sensíveis tem um trabalho enooorme aqui.

Outra, você me sabe, né? Somos iguais, rs.

Beijos, queridos!

Carol Costa disse...

Quantas pessoinhas numa só casa, hein? Isso não é nem ser bipolar, é ser polipolar! ;)

Acabou. Boa sorte!

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